08 outubro 2009

Canfranc: L'estasi dell'oro



É um lugar comum dizer que se fica sem palavras perante um local magnânimo, exuberante ou avassalador. E, nesta perspectiva, Canfranc é nada menos do que um brutal cliché...

Não estava nos planos visitar a estação aquando da incursão até França. Nem tampouco me lembrei que estava tão perto desse meu lugar fétiche quando, ao atravessar os pirinéus, ia vislumbrando, aqui e ali, pequenos trechos de linha férrea parcialmente enterrada pelo tempo, túneis e viadutos.

Estas imagens avulsas iam sendo absorvidas como retalhos soltos aparentemente sem ligação. Mas, subitamente e de forma tão inesperada como inconsciente, um estrondoso baque fez funcionar todas as engrenagens na minha cabeça e a equação fazia finalmente sentido: Pirinéus + linha férrea desactivada + viadutos de linha férrea + túneis só podiam significar uma coisa...

Corri para o porta luvas, e peguei no mapa, ignorando por completo o portento tecnológico do GPS mesmo ali ao lado. Foi apenas a confirmação do que o coração ao saltos à muito sabia. Timidamente, no meio do maciço montanhoso, estava impresso o nome que mais queria ler: "Canfranc".

Canfranc iria por isso cruzar-se no meu caminho de uma forma tão poética que até poderá soar a lamechas: No final dos 8.608m do maior túnel rodoviário da península ibérica, a luz do sol voltaria a ser vista, precisamente à entrada da pequena vila onde descansa, adormecido há mais de 30 anos, o gigante ferroviário.

Pese o facto de não poder navegar, Canfranc partilha uma história quase tão romântica como o gigante dos mares afundado em 1912 onde a história, a magnificência e a tragédia se fundem numa amálgama tão característica das grandes lendas.

A estação foi inaugurada em 1928 como grande entreposto internacional e trans-fronteiriço entre Espanha e França. Rodearam a sua construção hercúleas transformações bio-geológicas, no sentido de "domesticar" a complicada orografia que a rodeia e os desafios que, particularmente no Inverno, punham à prova uma estação isolada no meio de uma região tão inóspita hoje como o era há 80 anos atrás.

Canfranc foi pensada como um palácio. Teria de ser imponente, auto-suficiente e justificar a sua remota localização com um impacto que não poderia deixar indiferente o mais pretensioso dos viajantes. Utiliza por isso a escola francesa, quer no corpo do edifício quer, nos pequenos e tímidos detalhes de art nouveau com elementos de fauna decorativa. A sua imponente e simétrica fachada tem nada mais nada menos do que 250 metros, dois campos e meio de futebol para facilitar a analogia. Corre paralela ao ribeiro e à linha do vale e ergue-se na orla de uma gigante clareira que albergou todo o complexo ferroviário.

Dado o trajecto sinuoso e especialmente com as avalanchas no inverno, os acidentes eram mais frequentes do que o desejável. Em 1970 o mais grave de todos deu a estocada final na moribunda linha. Espanha cuidou do seu lado mas o desinteresse do lado Francês, aliado à construção do túnel de Somport goraram definitivamente qualquer esperança de reactivar a travessia ferroviária dos pirinéus. Resta o projecto de viabilização que pretende criar um hotel de luxo nas instalações da antiga estação.

Canfranc, a vila, é tímida e acolhedora. No entanto não é efectivamente fácil de descrever o que se vê depois do generoso soco no estômago com que somos recebidos por Canfranc, a estação. Imagino que há 8 décadas atrás, quando os puxadores ainda brilhavam e as distâncias pareciam maiores, esse sentimento tivesse sido francamente ampliado. Gostava no entanto de a ter conhecido nessa altura, altiva e imponente, qual David desafiando o Golias de granito.

O acesso à envolvente da estação é condicionado o que, imagine-se, não me demoveu minimamente das intenções de explorar o que pudesse na curta estada. Estava eléctrico, irrequieto e isolado numa bolha só minha.

E a avalanche sensorial que se segue é inacreditável! Pormenores, "pormaiores", cores, texturas, escalas, combinações.... não consegui de todo transportar para o filme digital a forma como os colossos interagiam entre si. Não creio que seja possível. Será sempre uma "amostra grátis" da batalha que se desenrola a 1200 metros de altitude, no coração dos pirinéus.

Soube a pouco. Soube a tão pouco....

Mas por outro lado a surpresa com que me encontrei pela primeira vez com Canfranc não deixa de ser especial. Mais a sério do que a brincar digo agora que as férias foram na verdade apenas um meio para atingir um fim.

Mas da próxima vez, e porque haverá certamente uma próxima vez, o objectivo será unicamente a estação com a promessa de lhe dedicar tempo, tempo que será novamente curto para trazer dos pirinéus a essência da maravilhosa Estação Internacional de Canfranc.

Até já...